O homem ao passar, benzia-se rezava um «padre-nosso» e deitava numa caixa duas moedas para as «alminhas» e uma moeda para o diabo.
Aconteceu, uma vez, comer ovos cozidos numa estalagem da cidade e, querendo pagá-los, ver-se sem dinheiro. O estalajadeiro indignado resolveu levá-lo ao tribunal pedindo uma grande indemnização pelos ovos, pois estes, em sua opinião, dariam frangas, as frangas seriam galinhas, as galinhas poriam ovos que por certo, haviam de dar novas galinhas… A indemnização era avultada e o homem, pobre demais para pagar.
Ora, no dia em que teve que responder, passou mais uma vez aquele caminho, à beira das «alminhas». Sentado junto do nicho, estava um homem esguio e rubro como o demónio da pintura, mas envolto num vasto capote serrano, calçando compridos e pesados tamancos que faziam lembrar duas canoas do rio.
- Olá! Que tens? – Perguntou o homem dos tamancos numa voz metálica.
O comerciante contou-lhe dos seus infortúnios e da injustiça do hospedeiro. O encapotado disse-lhe que não se assusta-se, que o iria defender, que esperasse no tribunal. O homem agradeceu e apresentou-se à justiça.
Chegaram as horas da audiência e o advogado do réu não aparecia.
Impacientava-se o juiz com a espera, o estalajadeiro com a demora, e todo o público com tão longa expectativa. Por fim passado muito tempo, quando o juiz estava para suspender a audiência, eis que entra no salão do tribunal o defensor, arrastando seus pesados tamancos, envolto no capote serrano.
- Porque tardaste tanto senhor? – Perguntou o magistrado – senhor doutor juiz, volveu o homem dos tamancos, como sou lavrador, estive a cozer batatas para semear. – A cozer batatas para semear? (inquiriu o juiz espantado) nunca tal ouvi em minha vida, nem por certo os senhores jurados! Como pode ser isso?
Então o homem dos tamancos volveu, à queima-roupa:
- Do mesmo modo, senhor juiz, que os ovos cozidos podem dar galinhas…
Não foi preciso mais. A defesa estava feita e com tanta evidência que o homem mercador regressou em paz à sua aldeia.
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