O queijo, como alimento lácteo que é, tem como principal matéria-prima o leite e resulta de uma sequência de transformações físicas e químicas que transformam o já por si completo alimento que é o leite num produto de valor acrescentado pelo seu sabor, textura, aspecto e forma diferenciados. É essa sequência de transformações que abordaremos, em particular no processo de fabrico do queijo de ovelha amanteigado.
O leite
Interessa começar por aquilo que é o ingrediente fundamental para a produção de queijo: o leite. Neste queijo de origem ovina o leite é utilizado cru – sem qualquer tratamento térmico – o que potencia a importância no controlo da matéria-prima sob pena de não se conseguir produzir um produto homogéneo e uniforme. A higiene assume uma importância extrema. Se o leite estiver contaminado com microrganismos nefastos à cura do queijo e, em última análise, a saúde do consumidor o fracasso da transformação é garantido.
Assim a saúde dos animais, as condições higiénicas da ordenha e o armazenamento do leite em condições de refrigeração e durante o menor espaço de tempo possível são factores que têm implicações na qualidade do queijo.
Convém ressalvar que o leite cru, independentemente das condições em que é recolhido possui uma flora natural. Esta flora consiste basicamente em bactérias lácteas características que são as responsáveis pela cura ou maturação do queijo que descreveremos mais adiante.
O facto do leite de ovelha ser trabalhado sem tratamentos térmicos é a garantia necessária que essas mesmas bactérias não são eliminadas e assim se garante que a cura ocorre da forma esperada. Além da flora bacteriana de que falamos, no leite existem ainda enzimas que são macromoléculas que funcionam como catalisadores de reacções químicas que ocorrem durante a fase de maturação do queijo. Também estas se desactivam na presença de calor e também têm um papel preponderante para satisfazer os requisitos desejados de um queijo.
O fabrico
O fabrico do queijo propriamente dito começa com a entrada do leite em cubas que podem ter diferentes tamanhos e formas mas que permitam a agitação do leite numa fase inicial e o corte da coalhada numa fase posterior. O leite deverá entrar na cuba a uma temperatura superior a 28ºC e inferior a 40ºC para que seja possível a formação da coalhada.
De uma forma geral, apesar de haverem variantes nas tecnologias de fabrico empregues entre queijeiros, preferem-se temperaturas mais baixas para conseguir queijos de pasta mole, apesar de temperaturas mais baixas prolongarem o tempo de coagulação.
Adiciona-se sal directamente ao leite para o interior da cuba com a finalidade de dar sabor ao queijo e, mais importante do que isso, inibir o desenvolvimento de algumas bactérias que podem prejudicar o processo de maturação e atrasar o desenvolvimento das restantes que assim se desenvolverão mais lentamente. Resta adicionar ao leite o cardo. O cardo (cynara cardunculus) é uma planta dicotiledónea cuja flor, de tons azul-violeta, possui enzimas coagulantes na sua constituição. Estas enzimas são proteolíticas, ou seja, têm a capacidade de promover a quebra de ligações químicas das proteínas do leite (em particular da caseína) e a temperatura óptima de actividade encontra-se entre os 28 e 40ºC já referidos. Como as proteínas são moléculas de cadeia comprida, a quebra de ligações dessas cadeias transforma as proteínas originais em cadeias peptídicas mais curtas que, na presença do ião Cálcio presente originalmente no leite, se aglomeram em micelas circulares com o Cálcio como elemento central do círculo micelar. Estas estruturas associadas aos glóbulos de gordura e retendo entre elas água e lactose formam a coalhada.
Macroscopicamente é notória a transformação do leite de líquido em gel. Esse gel, vulgo coalhada, é o resultado da coagulação da caseína.
Quando a coalhada está com a consistência pretendida procede-se ao corte da mesma. Esta operação resulta da necessidade de promover a saída do excesso de água da massa. Com o corte dá-se uma maior consistência à coalhada devido à saída da água (sinérese) para o meio líquido (soro lácteo). De forma resumida o corte implica a transformação do gel em duas fases imiscíveis:
- O soro - constituído essencialmente por água e ainda por lactose, alguma gordura e algumas proteínas (entre outras a lactoalbumina que coagula por calor dando origem ao requeijão)
- A massa – que consiste em estruturas de tamanho a rondar 1cm3, de aspecto gelatinoso que é o conjunto das micelas já descritas, com água, lactose e gordura.
Essa massa é então direccionada para os moldes que conferem a forma desejada do queijo (vulgarmente cilíndrica achatada). Colocada a massa nos moldes, esta sofre uma prensagem para que seja escorrido o excesso de soro que se envolve na massa facilitando a ligação entre as várias estruturas resultantes do corte para formar um produto compacto e homogéneo.
A salga
Feito isto, opcionalmente, completa-se a salga do queijo. A salga pode ser feita manualmente com sal granulado ou imergindo o queijo num banho de solução salina durante um determinado período de tempo (salmoura). A utilização de sal vai favorecer o sabor final do queijo (uma vez que o sal vai migrando para o interior do queijo) e retarda a acção das bactérias que desde a entrada do leite na cuba vão fazendo o seu trabalho.
Entenda-se por trabalho a transformação química da lactose em ácido láctico (esta reacção apesar de ocorrer em simultâneo com muitas outras é a mais frequente e preponderante para um factor importantíssimo: o pH). Estas bactérias produzem ainda enzimas que intervêm activamente no período de 30 a 40 dias de cura que um queijo de ovelha amanteigado exige.
Finda a salga do queijo o queijo é armazenado em câmara (s) de maturação.
A cura
Existem várias técnicas de maturação ou cura em que variam factores como o número de câmaras, os tempos de permanência em cada uma dessas mesmas câmaras, a humidade relativa e a temperatura e cada queijeiro define-as de acordo com a sua experiência e com a sua sensibilidade. Independentemente das condições em que a cura ocorre, é, por norma, sobre panos, que por sua vez estão assentes em tábuas de madeira, que o queijo é colocado.
Para que tal aconteça é essencial que, durante os pelo menos 30 dias que a cura demora, o queijo seja virado e lavado com frequência. As viragens não são mais do que alternar a face do queijo cilíndrico para que este tenha as duas faces idênticas e aparência simétrica e para que a humidade que se acumula, resultado do contacto com o pano e tábua não promova o aparecimento de bolores ou outros microrganismos.
A lavagem é essencialmente para eliminar um subproduto da maturação do queijo: a reima. A reima é uma substância viscosa e gordurenta que se forma à superfície do queijo, resultado de várias reacções químicas, e é exsudada durante todo o processo de cura e mesmo durante o tempo de vida comercial mantém-se a sua produção. Os cuidados com a remoção desta substância garantem um produto com o aspecto desejado, pois reduzem a probabilidade de ocorrência de bolores ou leveduras que dão ao queijo tonalidades diferente do amarelo bege pretendido.
A degustação
Ultrapassadas estas fases resta saborear o fabuloso bouquet de sabores e odores que caracterizam um queijo de ovelha e apreciar a importância da textura para intensificar o prazer desta iguaria. Deve comer-se à temperatura ambiente.